#013: chorando no transporte público
Um brinde, por piores que tenham sido, aos dias que não voltam mais.
Eu tenho passado por algo.
2078 dias.
Eu tenho passado por algo.
Esse intervalo de tempo equivale ao período desde o dia em que eu fui diagnosticado como bipolar, ou tendo Transtorno Afetivo Bipolar, e o dia de lançamento dessa newsletter.
Tem sido dias e dias. O começo foi terrível. Houve um tempo, até o início de 2020, que o interior da minha cabeça era inabitável. Eu resumi em uma canção que era como uma TV ligada em todos os canais ao mesmo tempo. E, claro, que não eram pensamentos nada agradáveis. Eles ainda voltam hoje em dia.
Mas ao longo do tempo eu fui melhorando, fui encontrando uma resposta.
Não, não é Deus.
Na verdade, não exatamente.
Eu costumo dizer que eu não acredito em Deus, mas eu acredito em acreditar em Deus. O simples ato de crer em algo melhor, algo além, detém um enorme poder para como encaramos a realidade ao nosso redor. Acreditar em algo melhor nos faz lutar e buscar por algo melhor, mesmo que pouco, mesmo que seja em pequenos atos do dia a dia.
Em Man's Search For Meaning, Ernest Becker diz:
"[...] viver é sofrer, para sobreviver é necessário encontrar significado no sofrimento. Se existe um propósito para a vida, como um todo, deve haver um propósito no sofrimento e na morte. Mas ninguém pode dizer a outra pessoa qual é esse propósito. Cada um deve encontrar por conta própria e aceitar a responsabilidade, de acordo com sua resposta.”
De maneira alguma eu digo que isso deve ser interpretado literalmente. Longe de mim discordar de um sobrevivente do Holocausto, mas eu, particularmente, não gosto do tom em que ele romantiza o sofrimento em favorecimento de algum tipo de engrandecimento espiritual. Ele está certo. Mas em conceito.
Existe propósito no sofrimento, existe propósito na dor, na perda, porque tudo tem propósito. E tudo tem propósito porque nós, humanos, atribuímos um propósito a tudo ao nosso redor. Nós não vivemos sem contexto.
Parece algo tão natural para nós, humanos, encontrar padrões e catalogá-los que, atribuir significado àquela informação catalogada se torna algo natural e lógico. Chove porque Deus está com raiva. Eu sou emotivo porque eu sou pisciano. Ele te traiu porque não te ama mais. Se eu sofro, é porque eu devo merecer.
Nada é tão simples assim, mas nós fazemos ser pra, minimamente, conseguir compreender e assimilar tudo que acontece ao nosso redor.
O filme Mãe!, de Darren Aronofsky é uma boa alegoria a esse caos arbitrário que chamamos de mundo. Em Filhos da Esperança, do Alfonso Cuarón, temos um mundo dominado pelo completo sendo de abandono, uma distopia socioeconômica em que a humanidade parece apenas esperar pelo fim.
Não existe distopia sem esperança.
Eu escrevi um capítulo sobre isso no meu TCC. Ou, pelo menos, quis escrever. Sem esperança, a distopia seria apenas uma ficção cínica e vazia. Seu significado seria unidimensional.
Eu aponto em filmes, séries e livros, traçando um paralelo com a nossa realidade porque, por mais que pareça escapismo, alguém escreveu aquilo com intenção e o significado atribuído é proposital, mesmo que acidental.
É uma forma de reflexão através da ficção. Devemos encarar o subtexto em tais obras, sempre, como deliberado. É também o que eu faço quando escrevo. Há significado em cada letra, em cada palavra, em cada momento.
Cada segundo conta.
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