Lucas se abaixou em frente ao arbusto e suas mais terríveis suspeitas foram confirmadas. Aquele barulho que ouvia em um passeio de domingo era um passarinho ferido, caído ao chão. Parecia um João-de-barro, ou um Bem-te-vi, mas, do alto dos seus 9 anos de idade, o conhecimento de ornitologia do garoto não era tão avançado.
Sem se preocupar muito com os riscos, bactérias, ou qualquer outro tipo de doença que pudesse ser transmitida, Lucas pegou o passarinho com as mãos postas como uma espécie de ninho. Não seria a última vez que ele seguraria um pássaro ferido com as próprias mãos.
O bichinho ainda respirava, ofegante, com dificuldade, mas ainda respirava. O garoto não sabia o que fazer, só sabia que precisava ampará-lo. Deve ter alguma metáfora aqui em algum lugar. O garoto procurava pela mãe e pelo pai quando notou que estava perdido. Seus pais provavelmente seguiram com o passeio e não perceberam que ele havia ficado para trás.
Naquele momento ele tinha certeza de que nunca mais os encontraria. Ele tinha certeza que o parque seria sua casa agora.
“Eles provavelmente nem sentiram a minha falta” – ele pensou. Infelizmente essa não seria a última vez que algo do tipo aconteceria com ele.
Quando tinha dezesseis anos, Lucas percorria a pequena cidade onde morava na sua bicicleta. O jovem fazia entregas para uma padaria e confeitaria. Sempre andando mais rápido do que deveria. E foi em um dia desses. Uma quinta-feira que ele levava um único bolo de fubá com goiabada em seu cesto. Um dia em que ele não planejava se apaixonar, que viu Francisca pela primeira vez. Ela usava um vestido branco de verão. Ele capotava a bicicleta e estragava completamente sua entrega.
Lucas escreveu sobre Francisca, pela primeira vez, em um pequeno pedaço de papel. Nada mais que uma frase. Alguns diriam que ele se inspirou em Matilde Campilho, outros não teriam ideia do que se tratava. A oração “seu olhar me fez cair de bicicleta” parece simples, mas diz muita coisa.
Depois de tantos anos se passarem, Lucas nunca comentou com sua esposa sobre Francisca, ele não precisava. Ela não foi seu primeiro, não foi seu maior amor. Ele sofria de um mal de apaixonado, em que cada viagem de ônibus o fazia amar alguém com toda sua força por, aproximadamente, quarenta minutos.
Deitado em sua cama, em uma quarta-feira qualquer, Lucas olha para sua esposa, quase adormecida, e se pergunta:
– Qual foi a última vez que eu te fiz rir? – Ela não escuta, graças a Deus, mas aquelas palavras, cortando silêncio, ecoam em sua cabeça como lágrimas na chuva.
Ele não se lembra, ela não se lembra. Existe um antigo ditado que diz que o casamento é o cemitério dos amores. Se isso for verdade, muita coisa precisaria ser explicada.
Alguns dias depois Lucas se lembra de Francisca novamente. Ele gostaria de ter escrito um livro inteiro sobre ela e, não apenas um conto. Havia muito a se dizer sobre seus amores passados. Havia muito a se dizer sobre seu amor atual. Ele gostaria de escrever mais do que realmente escreve. Seu último romance publicado, “O doce som do seu choro”, uma reflexão demasiadamente otimista sobre a paternidade, não foi tão bem recebido pela forma como ele parecia romantizar demais sua relação com a filha, exatamente, por não ser tão presente na criação dela, perpetuando estereótipos de papéis de gênero. Lucas achava tudo isso um exagero.
Em um fim de tarde de domingo, Lucas caminhava sozinho pelo parque enquanto procurava a filha e a esposa para um sorvete. Ele não conseguia as encontrar. Elas não estavam no local combinado. Lucas andava e andava pelo parque. Depois de algumas voltas seu telefone toca, era Eva, sua esposa. Ele tinha certeza que sabia o que a ligação significava. Ela o havia deixado.
Daqui uns dias eu volto.
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